Investigação geotécnica: O exame do subsolo

Escrevi esse artigo para a Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Itatiba sobre a maneira como certos contratantes e até profissionais tratam as investigações geotécnicas previstas em norma e fundamentais à boa prática de projeto e execução de obras.

Usei daquele paralelo com os exames diagnósticos na medicina. Algo que costumava discutir com um amigo que faz tremenda falta. Fica aqui uma pequena homenagem ao grande geotécnico Lucas Amarante Constâncio e o apelo: “Faça sondagem! A mais cara é aquela que não foi feita.”

Por Eng. Felipe Mantovani.

Artigo publicado no Jornal de Itatiba em 13/11/2021.

Investigação geotécnica: O exame do subsolo

Cena A

O sr. K. estava bem. Próximo dos seus 55 anos, sentia-se com 20. Não sentia dores, dormia bem, mantinha a atividade física em dia. Sabia, no entanto, que era hora do check up e procurou um médico. A secretária analisou e disse que o convênio não cobria. Agendou assim mesmo, no particular.

No dia da consulta, estava ali, pontualmente às 15h45. “Sr. K., pode entrar.” Entrou na sala, o Dr. o cumprimentou e fez as perguntas de praxe. “Estou ótimo, Dr., sem queixas. Bem, um pouco de queimação quando exagero na comida, mas acho que nada de anormal.”

“Entendo. Isso ocorre com algum tipo específico de alimento? Tem conseguido evacuar?” Enquanto K. respondia, o Dr. se levantou e pediu que abrisse a camisa. Feito isso, apalpou a região buscando localizar algum ponto de incômodo. “Hm. Dói aqui?”. “Ai! Dói.” “Certo.”

Em seguida tornou a sentar-se, pegou o receituário e escreveu algumas linhas. “Sr. K, preciso que faça os seguintes exames.” - disse mostrando uma lista de itens. “Retorne em 15 dias. Teremos um diagnóstico assim que os resultados forem disponibilizados.” “Puxa Dr., claro. Vamos investigar. Não quero ter problemas no futuro. Muito obrigado”.

Cena B

Com dúvidas sobre o início da obra, o sr. K procurou um engenheiro. Consultou um amigo que deu indicação e ligou. O próprio engenheiro atendeu e a primeira reunião foi agendada. No dia do compromisso, estavam ali ambos no terreno, pontualmente às 07h30, quando o sol de verão ainda era ameno.

“Bom dia, sr. K.!” – disse o engenheiro.

“Bom dia! E então, o que achou do terreno? Acho que dá certinho naquele projeto que eu e a Sra. K sonhamos a vida toda.”

“Entendo. Bom, essa terraplenagem é recente? Alguma alteração no nível d’água? Há aterro? Matacões? O solo é colapsível? Expansivo?”

Enquanto K. pensava nas respostas, o engenheiro pegou o celular e, após alguns toques, disse: “Encaminhei um contato. Precisamos de 3 pontos de sondagem SPT para reconhecimento do subsolo. Nos falamos em breve! Teremos um estudo preliminar de fundações assim que os resultados forem disponibilizados.”

O sr. K arregalou os olhos, como quem é pego desprevenido. “Sondagem? É caro! Não precisa! O terreno é bom! O chão aqui é firme!” – disse o sr. K enquanto batia com a sola fazendo poeira.

“A sondagem mais cara é aquela que não foi executada.”

O solo é um material heterogêneo. Em oposição ao concreto, material de traço controlado, muitas vezes usinado, o solo é um material natural. Não respeita determinações e imposições. Apesar disso, o solo compõe a estrutura das edificações. Para que possamos, portanto, construir edificações estáveis e livres de patologias, visto que não podemos controlar essa parte da estrutura (solo), devemos dispor de todas as ferramentas possíveis para um adequado conhecimento do material que o compõe e suas características.

De acordo com Schnaid et al, em mais de 80% dos casos de mau desempenho de fundações em obras pequenas e médias, adotou-se o tipo errado de fundação por completa ausência de investigação de subsolo. Oras, sendo o solo o destino de todas as cargas de qualquer edificação, sua correta identificação e estimativa de resistência são fundamentais à elaboração de projetos adequados. A ausência de investigação de subsolo é uma prática inaceitável e que contraria a própria norma brasileira de fundações NBR 6121:2019:

“Para qualquer edificação deve ser feita uma campanha de investigação geotécnica preliminar, constituída no mínimo por sondagens a percussão (com SPT).”

A sondagem SPT ou, de acordo com a norma brasileira ABNT NBR 6484, sondagem de simples reconhecimento com SPT é um ensaio geotécnico de campo que tem por objetivo fornecer informações sobre:

  • os tipos de solos e suas profundidades de ocorrência;
  • a posição de nível d’água (quando ocorrer);
  • o índice de resistência à penetração N do solo a cada metro.

A última revisão da norma NBR 6484 ocorreu em 2020 e traz como principal novidade a possibilidade da execução da sondagem mecanizada, além do já consagrado procedimento manual (figura 1). Essa inovação permite maior produtividade e padronização embora demande calibração inicial da energia de ensaio.

Investigação geotécnica:  O exame do subsolo

Figura 1. Esquema de ensaio e equipamentos empregados

(fonte: ALBUQUERQUE, Paulo José R. Engenharia de Fundações, Grupo GEN, 2020.)

Uma referência antiga, porém, ainda utilizada para nortear a programação dos ensaios de sondagem em uma obra, é dada pela NBR 8036. Essa norma estabelece o número mínimo de sondagens em função da área construída conforme a tabela a tabela 1.

Área construída (m²) Número mínimo de
< 200 2
200 a 400 3
400 a 600 3
600 a 800 4
800 a 1000 5
1000 a 1200 6
1200 a 1600 7
1600 a 2000 8
2000 a 2400 9
> 2400 A critério do projetista

Tabela 1: Quantidade mínima de sondagens (fonte: Adaptada da ABNT NBR 8036)

O custo de um programa de investigação do subsolo bem conduzido situa-se próximo de 0,5% do valor total de uma obra. Negligenciar ou até mesmo excluir essa etapa, traz uma falsa sensação de economia já que não há bom projeto sem um adequado conhecimento da natureza e estrutura do terreno.

O desfecho para a cena B acima, onde o sr. K reluta em executar um programa mínimo de investigação do subsolo, poderia compor a cena C. Aqui, o sr. K agenda uma próxima reunião, agora para definição dos pontos de reforço de fundação da recém-construída residência. O engenheiro estima que o custo para reforçar as fundações varie entre 5 e 10% do valor da obra, mas isso já é assunto para uma próxima conversa.